Portão Quinta do Cedro - Dafundo

Evoluir Oeiras vai avançar para o processo de classificação de toda a Quinta

A classificação pela DGPC da Quinta do Cedro torna-se neste momento um imperativo ético face à singularidade deste património, e face ao muito frágil regime de proteção do património no âmbito do Plano de Salvaguarda do Património Construído e Ambiental do Concelho de Oeiras (PSPCACO), aprovado em 2003 pela Assembleia Municipal. A consulta patrimonial no site da DGPC (http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao) mostra que o regime de proteção é inexistente, mas a própria consulta da planta de condicionantes do PDM de 2015 no que respeita ao património cultural era suficientemente clara a este respeito.

Assim, a discrepância entre regimes de proteção e estatuto de proteção tem sido consecutivamente utilizado pelo Executivo de Isaltino Morais para moldar o discurso às suas conveniências. Junta-se 2 imagens exemplificativas disso mesmo.

A anunciada (com estrondo) abertura ao público de parte do jardim, pela CMO, através de todos os seus meios de comunicação, incluindo correio em todas as residências de uma vasta área em redor, não é mais que uma manobra para desviar a atenção do atentado urbanístico que está em curso, e na conjuntura corrente pré-eleitoral, constituiu mais uma manobra irregular de utilização de meios de propaganda. Mas daqui não resulta qualquer notícia para descansar os residentes no Dafundo nem todos quantos tenham pela proteção patrimonial uma genuína preocupação.

Mais uma vez há um silêncio ensurdecedor da Oeiras´27 quanto a mais esta flagrante situação.

A Evoluir Oeiras Associação, após o envolvimento solicitado por moradores e movimentos locais do Dafundo, encontra-se a estudar conjuntamente as melhores formas de participar na proteção patrimonial de toda a Quinta junto da DGPC. A este propósito, Raquel Henriques da Silva, Professora Doutora, especialista em História de Arte, Museologia e Ciências do Património, envia-nos o seguinte texto que reproduzimos:

Texto de Raquel Henriques da Silva sobre a Quinta do Cedro:

“Fundada nas décadas finais do século XIX, a Quinta do Cedro no Dafundo chegou intacta aos dias de hoje. A casa está maravilhosamente mantida, preservando os valores  arquitectónicos iniciais (palacete romântico de estilística ecléctica, integrado em conjunto muito relevante, que se inicia em 1840, no Palácio da Pena, e se prolonga até à época da Primeira Guerra Mundial) mas também os que a enriqueceram na primeira metade do século XX, com rara e muito feliz capacidade de integração. Intacto está em grande parte o jardim, inteiramente construído num lugar que era inóspito e se tornou um paraíso de verde e belíssima frescura. Intactos estão também os anexos para os diversos sectores de criadagem e apoio à manutenção da Casa.

Estamos, portanto, perante um caso raríssimo de acumulação de tempos e memórias que vão nascendo por integração harmoniosa e potenciadora dos valores de habitar de uma alta burguesia que, como se sabe, foi escassa em Portugal.

Há finalmente outro conjunto de factos a relevar relacionados com quem a construiu e lá viveu ao longo de várias gerações. Foi mandada edificar por Roberto Ivens, um dos geógrafos que (juntamente com Hermenegildo Capelo) participaram na marcação das fronteiras de Angola e Moçambique e, por isso, fizeram a primeira travessia de África, naquelas latitudes, relatadas no livro De Angola à Contracosta, que escreveu e publicou em 1886. Na Sociedade de Geografia de Lisboa, então fundada, existe um espólio riquíssimo dos excepcionais trabalhos geográficos realizados que provam a plena actualização deste domínio em contexto internacional.

A Casa teve outros moradores e visitantes ilustres que, na sua evocação, permitem dar a ver aos interessados mais de um século de vida social e cultural.

Sintetizando: esta Casa é uma peça maior da arquitectura palaciana do século XIX português e um dos tesouros do património do Concelho de Oeiras. Por isso deve ser preservada na sua totalidade, incluindo a casa, os anexos e sobretudo o jardim. E deve, sem qualquer dúvida, ser mantida no recato que conheceu até hoje. Por isso, todos os cidadãos empenhados não podem senão contestar determinantemente a emissão de licença de construção para um conjunto predial. Se ele fosse construído, passaria a ser o pano de fundo deste território que, repito, chegou até nós intacto.

Ainda mais um reparo: o património EXIGE, dentro de todos os parâmetros que definem a cultura europeia, ser preservado em si mesmo e na sua envolvência operativa. Mas o que alguns teimam em considerar um constrangimento anti-económico, é no século XXI, um capital único e expectante cuja rentabilidade pode e deve ser construída.  

Sugiro que o movimento cívico Evoluir Oeiras que, em boa hora, decidiu avançar contra o que é apresentado como factos consumados, abra um concurso de ideias para o futuro da Quinta do Cedro.

Eu deixo uma: homenagear especialmente o fundador da casa Roberto Ivens, estabelecendo um circuito de visita com o vizinho Aquário Vasco da Gama, fundado em memória de D. Carlos  que, além de rei, foi também um notável cientista. Deste modo, Oeiras poderá reivindicar a representação de um dos momentos gloriosos da história da ciência em Portugal que teve, então como noutras épocas passadas, um especial enfoque na geografia e no mar.

Raquel Henriques da Silva, Professora Doutora, especialista em História de Arte, Museologia e Ciências do Património

22 de Julho de 2021″

fotografias: © Hervé Hette | www.hervehette.net