Importância dos modelos de participação cívica e de construção de comunidades solidárias

rua de Algés

Vivemos num paradigma de desenvolvimento baseado na exploração insustentável de recursos naturais e humanos, na competição e no individualismo. Tudo isto gera profundas desigualdades.

Quando se valoriza a beleza, o sucesso, a fama, a juventude, ou os “portugueses de bem” estamos com isso a segregar os mais frágeis, os medianos, os doentes, os velhos, os que simplesmente tiveram azar na vida.

Há assim, sinais de que a sociedade está profundamente doente: as crianças abandonaram as brincadeiras de rua substituindo-as por actividades sedentárias do mundo digital e virtual. Há muito que o Prof. Carlos Neto da Faculdade Motricidade Humana tem denunciado o grave problema do analfabetismo motor para o desenvolvimento e saúde dos jovens e eu acrescentaria o analfabetismo relacional e social, associados ao modo de vida contemporâneo.

Outro sinal, que vejo com preocupação é a forma como a sociedade trata os mais velhos. Não me esqueço da notícia de uma idosa que na companhia do seu cão, morreu em casa e assim permaneceu 9 anos sem que um vizinho, um amigo, um familiar distante questionasse a sua ausência. Um caso extremo, mas não único. Sabemos como muitos dos nossos velhos vivem à sua sorte em aldeias distantes, e outros vivem a mesma realidade incógnitos, camuflados no bulício da cidade.

Como arquitecto tenho a noção clara que o desenho urbano, dos edifícios pode condicionar a segregação e o isolamento ou pelo contrário, valorizar e potenciar a sã convivência com a diversidade social. É urgente repensar as cidades nestes termos: desenhar o espaço público para as crianças! Criar espaços de encontro, que permitam conectar as pessoas umas com as outras e liga-las com a Natureza. Esse é o papel dos autarcas e de quem pensa a cidade: construir pontes de inclusão em vez de guetos sociais.

Sabemos que a gestão autárquica nem sempre vai ao encontro dos interesses, do bem-estar e da segurança das populações. Por outro lado, o executivo de Oeiras Valley, é absolutista e pouco permeável ao diálogo e a propostas positivas que venham da oposição. Por isso, mais do que nunca a participação activa dos cidadãos é determinante na alteração do paradigma que se pretende ver alterado. Aliás, o 2º artigo da Constituição da República Portuguesa consagra e atribui esse direito que considero estruturante para a saúde da Democracia.

Agostinho da Silva antevia a importância das colectividades, e associações na transição para uma sociedade mais justa, solidária e saudável. A vida nas cidades é dura, fechada, altamente dependente e muito frágil e fica ainda mais exposta nos momentos de crise! Assim, a partir de 2010, começaram a surgir da sociedade civil, uma série de associações, plataformas, grupos mais ou menos informais que procuraram modelos experimentais de resiliência, de aprendizagem colectiva, quebrando barreiras de desconfiança e de medo. Alguns deles são hoje espaços alternativos de debate, de intervenção, de criação artística, de partilha e de cooperação.

Para além destes exemplos associativos julgo que é importante salientar que as hortas comunitárias urbanas são também fundamentais para promover a coesão e resiliência social, pois fomentam a partilha, a interacção inter-geracional, laços de vizinhança, o contacto permanente com natureza bem como a valorização e conhecimento dos alimentos e os ciclos da vida natural. O cuidar da terra, passa também a ser um hábito que se estende ao cuidar do espaço público e do bem comum.

Por outro lado, considero importante envolver as grandes empresas do Concelho, no processo de participação de modelos criativos que mitiguem as alterações climáticas. Acrescentaria ainda as Escolas e Universidades como pontos centrais de interacção social. Se estas se abrirem (pelo menos aos fins de semana) à comunidade, os pais, os alunos e a população em geral poderão usufruir dos seus jardins, da sua horta, dos equipamentos desportivos, da biblioteca, requisitar auditórios. Poderão em conjunto dinamizar ciclos de cinema, organizar feiras, eventos artísticos, etc.

Imagino assim, um mundo sem fronteiras sociais, onde a cooperação e a inclusão sejam os motores de desenvolvimento de uma sociedade mais justa e solidária e o desenho das cidades acompanhe e fomente esses desígnios. Um lugar onde a participação comunitária é fundamental para o aprofundamento da democracia e para uma maior exigência no escrutínio da acção governativa. Este modelo será certamente mais rico, se forem criadas parcerias com entidades locais como o comércio tradicional, empresas, escolas, clubes desportivos, etc. Fará ainda mais sentido se houver pontes de ligação com o poder autárquico para que em conjunto possam encontrar soluções criativas e positivas promovam a qualidade de vida, o bem-estar, a segurança, a resiliência e a felicidade das populações.

André Cid Lauret

(Texto base da intervenção da Tertúlia Organizada pelo movimento de cidadãos “Evoluir Oeiras” em 10 de Fevereiro de 2021)