Oeiras (Valley) tem! 

Começo mesmo pelo fim mas não, não sou eu que ando aqui a estragar uma bela história. Esta é uma espécie de crónica de uma decadência anunciada. Tenho que começar do princípio senão não se percebe nada: 

Era uma vez um executivo municipal que, desde 1985, gere os destinos de um dos mais bonitos concelhos da Área Metropolitana de Lisboa mas, tendo a mesma receita desde os anos 80 que, entretanto, passou de prazo. 

Se nesses já longínquos anos 80 não se reconheciam por cá os resultados das políticas de expansão urbana que a partir dos anos 70 começaram a ser postos em causa na generalidade das áreas metropolitanas, Oeiras quis ser, na área de Lisboa, o rosto desses modelos. O enredo é simples, atraem-se empresas, neste caso “tecnológicas”, com isso aumentando a receita e atraindo população diferenciada para morar próximo das empresas. 

A questão é que, para isso, Oeiras deliberadamente preferiu implantar parques tecnológicos como ilhas isoladas no meio de áreas rurais, no que não passou de negócios oportunistas que vivem assim da especulação de solos baratos. 

O Estado, e o Município, vieram depois atrás a construir rodovia, porque, já se sabia, cada trabalhador nesses locais afastados do transporte público é, necessariamente, um automobilista forçado. 

Aqui é o ponto em que os protagonistas deste enredo se ostentam orgulhosos com frases como “correu bem, muita receita municipal entrou”. Entretanto, os mesmos dizem “é desolador ver esses parques de empresas desertas de noite e tudo congestionado de manhã e depois ao final do dia. Um desperdício”. Seria um laivo de lucidez, não fosse o capítulo seguinte da história se tornar mais pesado. 

Chegando a 2021, o que dizer de ver estas áreas desertas também de dia, porque uma pandemia fez com que todos os modelos laborais, sobretudo no tipo de empresas que aqui se instalaram, fosse repensado? Alguém sabe realmente que alterações e dinâmicas isto vai fomentar em territórios periurbanos? 

Ninguém sabe. 

flores de plástico à frente da CMO

Mas na última década já se tinha percebido, para quem soubesse ler, que há uma tendência deste tipo de grandes empregadores começar, aos poucos, a procurar localizações onde os seus trabalhadores não tenham que estar ligados por uma espécie de cordão umbilical, a um automóvel próprio e sujeitos a engarrafamentos que a transferência do combustível a gasóleo para elétrico nada resolverá. Esse recentramento, que procura o transporte público, procura também a requalificação de centros históricos ou aglomerados consolidados, leva consigo trabalhadores exigentes que valorizam a proximidade casa-trabalho, o comércio de rua, as atividades culturais, a vida de bairro, aproveitam as infraestruturas onde já existem e procuram espaço público de qualidade com deslocações de proximidade baseadas em transporte público, no andar a pé ou de bicicleta e, tendencialmente, apoiado em mobilidade partilhada.

É aqui que a tal receita começou definitivamente a passar de prazo: Oeiras pensa que deu um passo em frente quando, na sua frente, havia um penhasco. O passo certo a dar para seguir em frente era, na verdade, dar um passo para o lado. 

A criação da marca “Valley”, para além de significar a subversão de um concelho com mais de 250 anos de história, representa a ideia de que o território de Oeiras, com todos os benefícios que a natureza presta ao serviço de quem cá vive, serve afinal, integralmente, para urbanizar. O Presidente Isaltino Morais escreveu-o e disse-o, está gravado: os parques tecnológicos vazios foram um erro, é preciso agora urbanizar em volta de cada um deles para tirar partido daquelas infra-estruturas. Se dúvidas houvesse, basta consultar o PDM e os Planos de Pormenor em elaboração e aprovação, por vezes apressadamente e de forma demasiado opaca. Mas o Presidente não mente (pelo menos nesta parte): só haverá mesmo mais construção. Em nome de um “território altamente qualificado” a que chamam de “Valley” mas que, na prática, será (mais) um subúrbio artificial onde nem as rotundas verdes com estátuas ou fontes cibernéticas disfarçam o artificialismo. 

Se nos anos 80 isto era dramático, em 2021 isto é mais que isso. A concretizar-se, seria uma história triste para o futuro de quem cá fica, ignorando o privilégio de ter um concelho com Paisagens ricas, onde os aspectos naturais e culturais de séculos poderiam e deveriam ser a matriz para uma densificação seletiva e equilibrada, onde uma rede natural de corredores ecológicos seguiria, contínua, abraçando núcleos urbanos, entrando no seu interior como espaços requalificados, vivos, para as pessoas. Dentro das localidades, dos “perímetros urbanos”, a natureza seria diferente, mas autêntica: Parques urbanos e jardins bem tratados, inteligentes, abertos, onde lado a lado com relvados e flores, prados, mata e até a agricultura urbana, corresponderiam às aspirações de uma população evoluída, que não passou de prazo, que sabe conviver com o “natural” e não troca ruas arborizadas por cenários inertes de alcatrão e betão desenhados só para conduzir e estacionar automóveis, onde a espaços terá umas “praças” inertes, mas quem sabe com “ecrãs tácteis” que, decerto, serão a tal cultura que projetará árvores frondosas, mas de outras cidades.  

Porque, nesta outra história, a natureza não desaparece apenas em cada pedaço de terra viva que é desprezado para mais e mais construção desnecessária. Desaparece todos os dias quando as suas árvores são desprezadas, podadas sem regras nem saber, substituídas por estreitos troncos sem copa, onde nem as folhas mudam de côr nem caem no Outono, porque assim não sujam o chão, e onde até as flores são trocadas até por, imagine-se, clones de plástico pendurados em postes. 

Duarte d´Araújo Mata. arquiteto paisagista

Residente em Paço de Arcos