Na reunião do executivo da Câmara Municipal de Oeiras de 05 de abril de 2023, recusei-me a pactuar na tentativa de transformar solo rústico em solo urbano e com isso a alavancar as mais-valias urbanísticas para tentar acomodar um projeto para o qual a IMAMAT ISMAILI adquiriu 52 hectares de terrenos a baixo custo aos seus ex-proprietários, tendo por base o contexto “non-aedificandii” que sustentava o respetivo processo de aquisição.
Infelizmente fi-lo sozinho, contra 7 vereadores presentes do INOV, o Grupo político de Isaltino de Morais (faltava 1 presença), 1 do PS e 1 do PSD (ambos com acordos de governação e pelouros).
Enquanto o IMAMAT ISMAILI adquiria 12% da Sociedade Taguspark, tratava de comprar terrenos baratos em Reserva Agrícola Nacional (RAN) e Reserva Ecológica Nacional (REN) na tentativa de, mais adiante, vir a tentar implantar um projeto sobre o qual quase ninguém sabia. Quase, porque alguns sabiam, isso garanto-vos.
Uma vez adquiridos os terrenos e assim que pôde, a IMAMAT ISMAILI, uma instituição privada sem fins lucrativos, tratou de pedir de imediato a sua reclassificação para solo urbano. Isto foi em 2022, no âmbito da consulta pública para adequação do Plano Diretor Municipal de Oeiras (PDMO) ao Novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, pretensão que a Câmara Municipal de Oeiras teve que se resignar a declinar, uma vez que as negociações com a Comissão de Coordenação de Lisboa e Vale do Tejo (CCDRLVT) corriam já sem concenso desta entidade licenciadora para muitas das áreas que a Câmara insistia em tentar passar a urbano.
A proposta que agora chegou a reunião de Câmara, para Declarar o Interesse Público Municipal para a instalação da Academia Aga Khan Lisboa, no Concelho de Oeiras, é inaceitável por inúmeros motivos, desde logo porque o IMAMAT ISMAILI teve sempre plena consciência que não pode implementar o seu projeto no local para o qual adquiriu terrenos. São 42 parcelas rústicas, parte delas em RAN (24 hectares (…!)) e REN, esta última sob várias figuras relevantes, por exemplo, para o ciclo hidrológico e para evitar cheias a jusante para além de contribuir para a recarga de aquíferos. Trata-se de uma extensa área dedicada à biodiversidade e que tem continuidade ecológica para norte e para nascente, constituindo uma importante reserva de solos para a manutenção do equilíbrio ecológico e para a coesão territorial de Oeiras e contribuindo para a sustentabilidade de toda a Área Metropolitana de Lisboa, tal como fazem outras áreas que não são para edificar, como sejam Monsanto, a Arrábida, o Parque Natural Sintra-Cascais, a Serra de Carnaxide ou a Serra da Carregueira, entre outras.
Por isso mesmo o projeto não se enquadra no Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa (PROT-AML) em vigor, nem com o PDMO. Está por isso em desconformidade com todos os instrumentos de gestão do território em vigor.
Mas afinal o que é que a IMAMAT ISMAILI quer fazer neste 52 hectares que exija a desclassificação de 24 hectares só de RAN, como é pedido na missiva, e outros tantos de REN? Uma academia ligada à educação e investigação.
O que significa tal projeto em matéria de edificação?
Não se sabe. Pelo menos quem foi confrontado, como eu, com a proposta não sabe, nada na documentação o explica, nem usos, nem índices, nem áreas, nem se vão usar a totalidade dos 52 hectares que tentam passar de solo rústico a urbano, se vão poder vender partes do solo urbano já com as respectivas mais-valias, se vão entrar outros investidores com usos complementares, resumindo: nada. Um cheque em branco, permitindo primeiro transformar o solo em urbano e só depois, já com as mais-valias ganhas, decidir quanto e onde construir. Permitindo declarar o Interesse Público Municipal a um projeto em que se desconhece tudo.
É de extrema gravidade que se peça interesse público para alterar o uso do solo de 52 hectares sem prever o que poderá vir a ser feito com todos os terrenos desafetados. É perigoso e grave passar um “cheque em branco” à IMAMAT ISMAILI. Esta afirmação destina-se também aos serviços urbanísticos na dependência do Senhor Presidente Isaltino Morais, mas também os serviços que dependem da Senhora Vereadora para a Ação Climática e Desenvolvimento Sustentável (Vereadora Filipa Laborinho do PS ) que, a propósito desta proposta, não fazem qualquer análise nem tecem considerações ao que significa a edificação desta área para o equilíbrio ecológico, para as alterações climáticas ou para a coesão sustentável do território.
Oeiras não aprendeu nada com as recentes cheias, não aprende nada com as questões das alterações climáticas e não quer ouvir falar de boas práticas em de ordenamento do território. Construir, construir e construir, em qualquer lado, doa a quem doer.
Termino como comecei, com o título deste artigo: eu não pactuei com a máquina das mais-valias, mas passo uma mensagem de esperança e de empenho para que Oeiras não perca estes espaços para sempre e lembrando-me do Professor Ribeiro Telles e dos seus sábios ensinamentos.
Duarte d´Araújo Mata, Vice-presidente da Associação Evoluir Oeiras e Vereador em exercício na reunião de 05 de Abril de 2023 em substituição da Vereadora Carla Castelo, pela Coligação Evoluir Oeiras.