“(…) o próprio nome “OEIRAS” tem por origem os termos romanos “eiras” que significam terras aráveis e/ou “aurarias”, sinónimas de terras com ouro (que podemos interpretar como cereais, a fonte de rendimento dos povos agrícolas aqui instalados).”

Oeiras é um concelho com 262 anos, desde 7 de junho de 1759. Foi nesta data, através de Carta Régia que D. José elevou este território a vila, concedendo o foral1 ao seu Primeiro-ministro, Sebastiao José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal e 1º Conde de Oeiras.

Foi no Reguengo de Oeiras, como o nome indica era propriedade régia, com os seus terrenos férteis da Ribeira da Laje, que Sebastião José construiu a sua residência oficial. Na nova quinta incorporou vários casais e quintas como o típico solar do século XVIII, o muito apreciado Palácio do Egipto e os seus jardins. Sebastião José aproveitou as condições naturais fornecidas pelo Estuário do Tejo, para dotar o território de autonomia impulsionando o desenvolvimento económico e social. Em 1764, anexou o território da margem direita da Ribeira da Lage, Carcavelos. O município de Oeiras é, então, constituído também por Carta Régia, datada de 13 de Julho de 17592, definindo no seu Foral o território e os seus limites, a saber:

  • a nascente o Rio Jamor, rio acima até à ponte do Jamor;
  • a norte atingia o limite do Casal da Veiga, já Barcarena, seguia em direção à Ermida de Nossa Senhora do Socorro, em Leião e daqui até ao Lugar de Talaíde;
  • a poente a Ribeira da Laje, descendo essa ribeira até ao Forte do Areeiro;
  • a sul o Tejo.

Mas Oeiras não nasceu com o 1º Conde de Oeiras. Desde a Pré-história, o clima ameno, a abundância de água, a qualidade dos solos e a privilegiada posição geográfica desta zona ribeirinha do estuário do Tejo, permitiu a subsistência de povoados agro-pastoris por mais de 4000 anos, como comprovam os vestígios da Gruta da Laje3. A exploração agrícola deste território permitiu a fundação do segundo povoado nas Grutas do Carrascal, em Leceia. Por volta de 2800 a.C. é descoberta a exploração metalúrgica do cobre e a 500 metros das Grutas do Carrascal instala-se o Povoado de Leceia, com as suas habitações fortificadas e uma muralha4. O início da Idade do Bronze, que identificamos com o aparecimento das lâminas, espadas e de uma profunda hierarquização, leva ao abandono deste Povoado e da Gruta da Laje, que mesmo desabitada continuava a cumprir a sua missão funerária.

No Final do Idade do Bronze, surge o Povoado do Alto das Cabeças, em Leião, tendo como principal atividade económica a produção cerealífera, produzindo mais do que as necessidades de consumo doméstico, o que nos indica que haveria trocas comerciais. Este povoado integra-se numa superestrutura socioeconómica organizada à escala regional, sendo administrado pelo Povoado da Tapada da Ajuda. Na mesma época, ergue-se o Povoado da Outurela onde predominavam pequenas habitações retangulares de pedra seca e cumprindo também com a sua missão funerária, com a construção da Jazida da Outurela5. Da romanização no século III A.C., ainda encontramos alguns vestígios em vários locais do município, como o Mosaico Romano existente na Rua das Alcássimas, no Centro Histórico de Oeiras e a Ponte Romana.

Durante a Idade Média o território mantém os seus povoados agro-pastoris. Numa parte elevada da encosta nasce um povoado mouro, Aljez. Sob a mesma influencia, Oeiras herda a toponímia como Alcássimas, Algés, Alpendroado, Quinta da Moura, Tercena (do árabe Torgena), etc6. Depois de 1147, com a conquista da taifa de Badajoz data-se a origem do povoado “Oeiras”. Foi ainda no século XII que foi construída a Igreja de Santa Catarina de Ribamar7, fruto da gradual fixação das ordens católicas, no território.

A revolução industrial antecipada

No século XV, os Descobrimentos trazem o desenvolvimento de novas atividades industriais e comerciais na região que assume as funções de celeiro de Lisboa e de centro industrial. Oeiras, Algés e Barcarena são elevados à categoria de reguengo, terra da Coroa, como podemos confirmar na Carta de Privilégio concedida por D. Afonso V aos lavradores, em 1448: “enquanto durarem ceifas e debulhes os trabalhadores residentes nos reguengos de Oeiras, Aljez e Barquerena não vão trabalhar para fora destes”8. Surgem então as primeiras quintas que a nobreza utilizaria para a caça, das quais se destaca a Quinta de Paço de Arcos com o seu palácio. Já no século XVI, também em Paço de Arcos, exploram-se as pedreiras e constroem-se os Fornos da Cal. Em Barcarena nasce a Fábrica da Pólvora Negra (1540) destinada à manipulação de pólvora e ao fabrico de armas. Na mesma época, o Reguengo de Algés cresce para sul e ocupa toda a encosta até à Ribeira de Algés, onde se edifica o Convento de São José de Ribamar. Entre o século XVI e XVIII foram erguidos grande parte dos edifícios religiosos de Oeiras, como o Convento da Cartuxa.

Nesta altura, a região assume também as suas funções defensivas, com a construção de fortificações como o Forte da Barra ou o Forte do Bugio, ao longo da orla marítima a oeste da Torre de Belém, para defesa da costa e controlo do movimento de navios na entrada da Barra do Tejo. Surgem mais quintas com palácios ou solares, destinadas ao recreio e à exploração agrícola (cultura cerealífera e vinícola) tendo como mercado a cidade de Lisboa. Podemos identificar desta época a Quinta da Terrugem, a Quinta Real de Caxias, a Quinta dos Aciprestes, a Quinta de Nossa Senhora da Conceição, a Quinta de Nossa Senhora do Egipto, a Quinta de São José de Ribamar e a Quinta do Marquês de Pombal.

A relevância agrícola de Oeiras era tal que em 1770 realizou a 1ª Feira Agrícola e Industrial em Portugal. Do incremento económico do Marquês de Pombal no seu território acrescentam-se o apoio à pesca, com a criação de um porto de abrigo para as embarcações e uma alfândega e feitoria, para controlo e registo das mercadorias. Com a expansão territorial pombalina para leste, D. José manda construir na serra de Carnaxide o Aqueduto das Francesas9, subsidiária do Aqueduto das Águas Livres10 e incluído no plano de construção e melhoramentos do Marquês de Pombal.

Com a revolução industrial do século XIX a atividade agrícola entra em declínio, surgem grandes unidades fabris no território, das quais se destacam a Fábrica do Papel, a Fundição de Oeiras e Fábrica dos Fermentos Holandeses, entre outras. A nova realidade industrial impõe a necessidade de reformas administrativas. Oeiras expande-se para leste e integra a freguesia de Carnaxide a 6 de Novembro de 1836 e em 1855, a 18 de Julho, inclui Barcarena.

Oeiras – estância balnear

Neste moderno século XIX, Oeiras torna-se uma estância balnear de referência para a elite portuguesa e com a crescente importância edificam-se palácios e quintas destinados ao lazer; destes chalets realçamos o Palácio Anjos, a Quinta dos Sete Castelos, a Quinta das Torres, as quintas do Jamor, a reestruturação do Palácio Ribamar com o casino The Splendid Foz Garden e da progressiva transformação do Convento de S. José de Ribamar em Palácio Foz. Até ao princípio do século XX, as praias da linha eram muito frequentadas pelas classes sociais mais altas que aqui se dirigiam por indicação médica, já que se considerava que o ar e a água das praias do município tinham efeitos medicinais11. Começam a funcionar as primeiras carreiras de carro-eléctrico entre Algés e o Cais do Sodré, que se associa à abertura de avenidas na baixa de Algés. Em 1911, a Primeira República cria a Companhia de Especialistas (mais tarde, o Centro Militar de Eletrónica) e em 1926, Paço de Arcos é elevada à categoria de vila. A Freguesia de Nossa Senhora da Purificação de Oeiras divide-se então, na Freguesia de Paço de Arcos e na Freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra. O Estado Novo, no seu processo de renovação das estruturas nacionais, cria em 1936 a Estação Agronómica Nacional, uma herança da Quinta do Marquês de Pombal. Esta propriedade foi então fracionada da seguinte forma:

  • Quinta de Cima, vendida ao Estado, sendo parte da exploração agrícola dedicada ao desenvolvimento da estação agrícola experimental, onde hoje estão instalados alguns dos mais importantes institutos portugueses na área das Biociências;
  • Quinta de Baixo, vendida à Fundação Calouste Gulbenkian e onde se encontram os jardins, o palácio e as dependências agrícolas, como a adega e o celeiro.

A inauguração da Estrada Marginal, em 1940, para a frequência das praias, trouxe consigo o elemento de forte urbanização e turismo da Costa do Sol, como novos meios de transporte. Assim, a dinâmica balnear e turística assume um cariz mais popular e na zona litoral surgem pequenos “chalets” e moradias de recreio.

A pressão demográfica no século XX

A partir da década de ’50 o concelho de Oeiras sofre com o crescimento da cidade de Lisboa, sendo mera passagem para Cascais e um subúrbio dormitório. Surgem bairros degradados, urbanizações ilegais e bairros de barracas, como o Alto do Montijo, o Alto dos Barronhos, a Pedreira dos Húngaros, a Quinta dos Salregos, o Alto de Santa Catarina, a Prisão de Caxias, Linda-a-Pastora, o Casal da Choca e Leceia. Este crescimento foi de tal forma descontrolado que regista na década de 70 um aumento de 81000 indivíduos.

A pressão urbana sobre o território teve por causas o êxodo rural bem como o regresso de população residente nas ex-colónias pós 1974, e como consequências o rápido e descontrolado crescimento urbano, a ocupação do território concelhio e a incapacidade de resposta das redes de infra-estruturas básicas de apoio à população. Desqualificaram-se os espaços públicos, reduziu-se a qualidade ambiental, a conservação do património cultural foi muito deficiente. E assim, o concelho de Oeiras tornou-se num subúrbio habitado por uma população desenraizada, sem qualidade urbana nem modo de vida autónomo. Só a partir de 1981 é que se verificou um decréscimo populacional generalizado pelas freguesias. Em 1979, o território da Amadora torna-se um concelho autónomo de Oeiras e são definidos os atuais limites, na altura, subdividido em quatro unidades administrativas: Freguesia de Paço de Arcos, Freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra, Freguesia de Carnaxide e Freguesia de Barcarena, que aumentou para as 5 atuais unidades administrativas, em 2013, como resultado da reforma territorial autárquica.

A perda de uma identidade

Em 1994 é ratificado o Plano Director Municipal de Oeiras12 para 10 anos, ainda que venha a ser constantemente alterado ou ajustado13 (incluindo a mais recente categoria operativa de solo urbanizável que passou a solo urbano ou rústico para se adequar o novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial14).

Aliás, o próprio nome “OEIRAS” tem por origem os termos romanos “eiras” que significam terras aráveis e/ou “aurarias”, sinónimas de terras com ouro (que podemos interpretar como cereais, a fonte de rendimento dos povos agrícolas aqui instalados).

“Atração de empresas, organismos e mão-de-obra ligados a funções superiores são os objetivos fundamentais” para qualificar os núcleos urbanos com infraestruturas e habitação social, reforçando a economia concelhia através da implementação de Programas Estratégicos.

Ainda que as alterações ao PDM tenham por fim objetivos “ajustados às novas espectativas económico-sociais, culturais e ambientais” e que Oeiras se intitule como um concelho “sede de importantes empresas ligadas às novas tecnologias e à prestação de serviços” é na verdade um concelho sem identidade enquanto concelho histórico, rural ou amigo do ambiente. A sua política de mobilidade caracteriza-se por uma deficiente rede de transportes públicos num ciclo vicioso que conduz ao uso do transporte motorizado particular, complicando cada vez mais a já problemática circulação pelo município.

Conclusão

Assim dificilmente Oeiras manterá o seu estatuto de “sede das multinacionais tecnológicas”. Tanto na Europa, como nos Estados Unidos, já se reconhece o elevado impacto negativo do excesso de automóveis nas zonas urbanas, impacto este muito sentido em todos os núcleos urbanos do concelho, onde os passeios servem de estacionamento, onde o perigo rodoviário aumenta, onde se sente uma salubridade deficiente em consequência do aumento populacional, e a qualidade do ar se deteriora.

Sem uma verdadeira rede transportes públicos e sem alternativas sustentáveis seguras à circulação de pessoas e bens, dificilmente Oeiras competirá no mercado cada vez mais global. Ainda que se assinem protocolos e acordos para a partilha de sinergias com o tecido empresarial do concelho, enquanto não se alterar o paradigma para uma verdadeira e séria mobilidade do Século XXI, dispensando a obrigatória alternativa automóvel individual, Oeiras arrisca-se a perder o comboio para um futuro verde e sustentável.

notas

1 Foral da Vila de Oeiras e seu Termo, 1760, Arquivo Municipal de Oeiras, Código de Referência: PT/MOER/MO/ORG-DO/01/01

2 Livro 1.º de registo geral, 1759, Arquivo Municipal de Oeiras, Código de Referência: PT/MOER/MO/ORG-FOM/02/001

3 Ribeiro, Aquilino (1993). Oeiras. Queluz: Câmara Municipal de Oeiras (3ª edição)

4 Ribeiro, Aquilino (1993). Oeiras. Queluz: Câmara Municipal de Oeiras (3ª edição)

5 Ribeiro, Aquilino (1993). Oeiras. Queluz: Câmara Municipal de Oeiras (3ª edição)

6 Ribeiro, Aquilino (1993). Oeiras. Queluz: Câmara Municipal de Oeiras (3ª edição)

7 Convento de Santa Catarina de Ribamar, https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4379882 – último acesso a 24/03/2021

8 https://digitarq.arquivos.pt/details?id=3871245 – último acesso a 24/03/2021

9 http://www.patrimoniocultural.gov.pt/media/uploads/consultaspublicas/ER_doAquedutodeCarnaxide3.pdf – último acesso a 24/03/2021

10 http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/70216 – último acesso a 24/03/2021

11 Ribeiro, Aquilino (1993). Oeiras. Queluz: Câmara Municipal de Oeiras (3ª edição)

12 Alterações ao PDM. https://www.cm-oeiras.pt/pt/municipio/transparencia-municipal/urbanismo/Paginas/Alteração-do-PDM-Oeiras.aspx – último acesso a 24/03/2021

13 O PDM foi publicado no Diário da República 2ª série nº 179 de 14 de setembro através do Aviso nº 10445/2015.

14 Aviso n.º 13744/2020. Sumário: Alteração do Plano Diretor Municipal de Oeiras para adequação ao novo RJIGT.