Quando parto da Vila de Oeiras, de bicicleta, em direcção a Lisboa, a preferência é pelo trajecto mais plano, ao longo da costa. Procuro, pois, o passeio marítimo que, apesar de a CMO o ostentar em alguma da sua informação oficial como fazendo parte da rede de infraestrutura para bicicletas, apenas o é efectivamente em alguns períodos do ano. Durante largos meses, os utilizadores de bicicleta em Oeiras entram em período de seca… com a vista sobre a foz do rio Tejo ao largo.
Como ainda é tempo de “chuva”, a viagem prossegue para montante, e rapidamente nos deparamos com a primeira barragem. Uma rampa íngreme, uma entrada enigmática, e são cerca de 2,5 quilómetros por águas turbulentas, por vezes muito agressivas, apesar da imensa largura do canal: a Avenida Marginal. Entre Paço d’Arcos e Caxias, a concentração na estrada, e nos muitos automóveis a passarem a velocidades e distâncias que variam entre o decente e o obsceno, é apenas desafiada pelas águas do Tejo a desaguarem no Atlântico.

À aproximação do Forte de São Bruno, sei que vem aí um troço de calmaria, mas não sem antes ter de me precaver contra algum calhau rolante que venha distraído na corrente e não se aperceba da minha redução de velocidade para virar à direita. Até hoje, fruto de muita cautela, e ainda mais sinais, correu sempre bem.
O troço entre Caxias e a Cruz Quebrada permite-me circular tranquilamente, em contacto com a água do mar que aqui passa a rio. Em dias de mar revolto, esse contacto pode ser mais do que o desejável, já que a cota a que foi feito este passeio marítimo não previu essas situações. A função via de comunicação foi claramente preterida a favor da aproximação ao areal.

Vou subindo o rio e, apesar da via ser bastante melhor do que no início da minha viagem, e muito agradável, surge mais uma difícil e confusa travessia: o rio Jamor. Seria de supor que, com vários milhões de euros despendidos nesta zona, o problema de passar de uma margem à outra de um rio que por vezes é confundido com ribeira não fosse um problema. Em Oeiras, para quem vai de bicicleta ou a pé, é mais uma barragem a transpor. De carro, o único obstáculo é o frequente caudal excessivo… de automóveis.
Desço ao nível do mar, viro à esquerda, passo sob a via férrea, um estreito entre pilaretes, viro à direita e lá escapei às águas dos baixios, atenção aos carros e autocarros que podem vir de frente, subo mais uns poucos metros, mais um estreito partilhado com peões, aos chocalhos como as águas de um rápido, mas lento, aperta mais um bocadinho, passo finalmente sobre o rio Jamor, agradeço a quem esperou que eu passasse porque dificilmente se cruzam duas pessoas, gancho à esquerda, cuidado com a acumulação de areias para evitar o mergulho, outro gancho à esquerda para me apontar novamente a Lisboa, e sigo caminho. Parece complicado? Imaginem quem não conhece o caminho e queira ir a pé ou de bicicleta de Algés à praia de Caxias, ou vice-versa.

Até Algés, vou apanhando o Tejo, a infraestrutura é melhor e, a certa altura, até vasta, embora com ar de improviso. Pode dar ar de modernidades mas, na verdade, rapidamente percebemos que, em Oeiras, a bicicleta é para passear. Por isso a ciclovia nos leva a dar uma larga volta pela margem do rio, para melhor apreciar as vistas. Eu, quase sempre, atalho caminho pela estrada, a direito por calçada irregular, e chego ao século XXI da mobilidade, que é o mesmo que dizer que chego à fronteira entre os municípios de Oeiras e Lisboa.
A entrada em Lisboa, embora um pouco afastada da água, é do que de melhor já se fez por nesta terra em termos de infraestrutura para bicicletas: um canal contínuo, com largura decente, intersecções amplas e assinaladas, segregado dos peões e do tráfego motorizado. Sentimos que, por aqui, a bicicleta é um meio de transporte que deve ser encorajado. Infelizmente, são só cerca de 1000 metros assim, pois rapidamente chegamos a Belém, e os erros do passado, que em Oeiras ainda é presente, estão bem visíveis: canal estreito e/ ou partilhado com peões, descontínuo e pavimento irregular.
No entanto, do outro lado da via férrea, o futuro está a ser construído, e em poucos meses estará disponível uma ciclovia pelo percurso mais directo entre Algés e Alcântara, pela Av. da Índia. Essa nova ciclovia irá desaguar num mar de infraestrutura, por vezes um pouco improvisada, mas em geral bastante aceitável, que permitirá alcançar muitas partes da cidade sem que o utilizador de bicicleta tenha de estar à mercê de tubarões vorazes, ou de baleias distraídas. Embora muito lentamente, cada vez menos, quem pedala vai deixando de ser o mexilhão.
Em Lisboa, só por distração ou desonestidade se poderá afirmar que a bicicleta não é um meio de transporte. Apesar de alguma oposição populista e oportunista, o discurso político geral já reconhece a importância da bicicleta como meio de transporte, e de o automóvel deixar de ser o modo preferencial. A obra acompanha, quase sempre, esse discurso e vai sendo conseguida uma distribuição mais justa do espaço público.

Em Oeiras, um discurso incoerente, mas pomposo, confecciona uma salada russa de modos activos e sustentabilidade com grandes obras rodoviárias, com ingredientes fora de prazo e muito tempero espalhafatoso para disfarçar o sabor a amargo. Quando subimos o rio a pé ou de bicicleta, de Oeiras a Lisboa, viajamos no tempo, da mobilidade do século XX à do século XXI. O rio corre em direcção ao mar, mas a mobilidade activa é empurrada para longe de Oeiras, e nem a maré baixa a deixa aproximar-se.
As políticas de mobilidade em Oeiras são uma fonte de problemas para quem se desloca, ou gostaria de se deslocar de bicicleta. A falta de infraestrutura dedicada, de qualidade, combinada com um espaço público desenhado principalmente em função de quem se desloca de automóvel, pode transformar o que poderia ser uma agradável viagem de 45 a 60 minutos, em momentos de tensão, e mesmo de luta pela própria vida. Literalmente. É um autêntico cenário do século XX, já bem lançados que vamos na terceira década do século XXI!
Ricardo Ferreira