fotografia de António Machado

Amigo, também dedicado ao culto da natureza e ao equilíbrio ambiental, convidou-me gentilmente para um passeio nas imediações de Caxias e de Paço de Arcos. Não conhecendo em pormenor aquela faustosa zona, ninho de galifões de carteira recheada que assentaram os seus interesses patrimoniais na nossa “côte -de-azur”, fiquei deslumbrado com o que fomos observando.

Os locais visitados prendem a nossa atenção por duas formas. Uma é boa! É o contexto paisagístico composto por colinas ainda verdejantes e o mar azul espraiando-se, aliciante, até à Trafaria e às praias da Caparica. A outra, aflige a alma! É a desalmada utilização do solo onde o betão progride a olhos vistos, violando as leis da natureza numa perspetiva de crescimento acelerado. Ora, crescimento a partir de determinados limites, não significa desenvolvimento, mas o seu contrário.

Sabemos bem que as regras que presidem as finanças locais privilegiam as urbanizações porque elas trazem réditos imediatos aos cofres dos municípios. Também sabemos que este paradigma capitalista impõe a ânsia da obtenção dos lucros fáceis e impele os construtores, muitos sem escrúpulos, para se conluiarem com as autarquias e demais poderes públicos a fim de atingirem os seus fins. Agora existem Planos Diretores! Pois existem, mas eles podem ser alterados consoante os interesses de quem age.

Do que vimos, quero destacar a beleza natural, ainda incólume, do Vale da Terrugem, provida de vegetação que, em minha opinião, deve ser preservada. Destaco a densa mancha de zambujeiros, árvore típica do clima mediterrânico e outras espécies menores, úteis para adequados usos em terapia. Tudo à volta são construções o que faz temer o rápido desaparecimento deste pulmão vegetal que, para se manter, só precisa de limpeza. Palmilhando até ao cume da colina adjacente, no Alto das Lebres, temos uma vista admirável de 360 graus.

Impõe-se a preservação destes espaços porque eles são “santuários” da vida vegetal e animal e regem equilíbrios necessários à vivência dos humanos.

Alerta-se para os equívocos de crescer, crescer… até rebentar e dos perigos com que se vão debater, com mais acuidade, as novas gerações.

Alerta-se para as consequências nefastas ocasionadas pelas alterações dos solos de usos agrícolas, pois é da terra que vêm os nossos alimentos e não das luxuosas “catedrais” de consumo que, apenas existem, por proporcionarem lucros chorudos aos seus promotores.

Alerta-se para o erro crasso de se construir em leitos de cheias e da alteração dos cursos de ribeiras e linhas de água, como já se verificam nos locais visitados. Convém lembrar que a natureza não necessita de nós; nós é que precisamos da natureza.

Muito mais se poderia dizer sobre uma digressão pedestre, assaz ligeira e rápida, numa região nobre da Área Metropolitana de Lisboa, onde aliás, proliferam maus exemplos urbanísticos que, ao invés de propiciarem qualidade de vida, acabam por abrir a porta a desmandos contranatura.

Fica apenas este ligeiro e despretensioso lamiré. Se ele servir para sensibilizar as massas populares e os poderosos, já nos daremos por algo satisfeitos.

Setembro de 2022

Miguel Boieiro
Vice-presidente Dir. Sociedade Portuguesa de Naturalogia
Ex-autarca (entre outros cargos foi Presidente da Câmara Municipal de Alcochete durante 19 anos)

nota: fotografia de António Machado